Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

Qua | 26.06.24

A pressa dos apressados

Maria Delgado Carvalho

a pressa dos apressados.jpg

A pressa é um padrão. Há mesmo um tipo de pessoas que são verdadeiras prisioneiras da sensação de estar sempre com pressa. E não sabem viver sem ela.


Atendem o telemóvel a despachar.

Escrevem mensagens cheias de abreviaturas.

Aparecem, cheias de pressa, para vir buscar os filhos. Ficam de pé , recusam sentar-se. Porque o simples ato de se sentarem é uma traição à pressa que têm sempre. Porque é como se se rendessem ao tempo.

 

As pessoas com pressa falam inclinadas. O corpo está sempre em posição de saída.

As pessoas com pressa mexem muito no cabelo.

Nas chaves do carro.

No telemóvel.

 

As pessoas com pressa falam muito. São elas o pior inimigo da sua própria pressa. 
Dizem repetidamente que têm de ir embora, que não podem ficar. Mas falam e falam e têm sempre mais qualquer coisa para dizer. Só têm pressa quando estão os outros a falar.

 

As pessoas com pressa usam muito as frases:

Esta semana estou a mil.

Não sei se consigo ir / fazer / combinar.

Tenho de me ir embora.

Antes mesmo de saberem a quantas andam, já se convenceram de que não vão ter tempo para mais nada.

 

As pessoas com pressa vivem neste engodo de que o tempo delas é mais curto do que o nosso.

 

Mas pergunto eu: os dias não têm para todos as mesmas 24 horas?

Dom | 23.06.24

O [des] encantado mundo do Instagram

Maria Delgado Carvalho

IMG_5507.jpeg

O Instagram deixou de ser o Instagram.
Perdeu a sua essência. Esqueceu as suas origens. Ganhou ruído.


Ando zangada com o algoritmo. Ele anda um bocadinho baralhado em relação a mim e aos meus gostos.

Quer à força toda que eu suspire por uma nova profissão, que cozinhe desalmadamente e que leia tudo o que são livros de auto-ajuda. 

Nada disto faz match comigo!

 

Coaching. E mais coaching. E continua o coaching. A auto-ajuda. A saúde mental. O bullying nos comentários.

Temas esmiuçados ao limite. Famílias perfeitas, à lupa de lentes cor de rosa.
A luta pelos seguidores.

Páginas e páginas de partilha de livros. Marketing digital. Empreendedorismo.

Agora tudo é fácil. Agora tudo é rápido. Agora tudo é possível.

Tudo chave na mão. Negócios ao minuto. 
Não quero ser pessimista ou desmancha prazeres. Mas como diria a malta que comenta no Instagram, o Instagram deixou de ser Top e passou a ser too much.

É uma pena.
Que venha de lá  a esperteza desse algoritmo para me voltar a dar  aquilo que será sempre a sua essência: a simplicidade, sem todo este barulho de fundo.

Sab | 22.06.24

Afinal o futebol comove-me

Maria Delgado Carvalho

668FB62D-47B6-4DF6-A220-C46084558F3A.jpeg

Nunca liguei a futebol.
Benfica. Sporting. Porto. Qualquer um que seja. Não me interessa. 
Não vejo. Não sigo. Não sei.

Abro uma exceção à seleção, mas apenas porque é esporádica. Se não fosse, acredito que também a seleção acabava por perder interesse.

Até que há cerca de um ano entrei em campo no futebol infantil.

Fugimos enquanto foi possível. Não queríamos "estar presos" dia sim dia não. Aos fins de semana. Nas férias. Hoje, amanhã e depois. E mais houvesse. Mas cedemos.


Descobri que afinal o futebol não me é indiferente. Comove-me. 

O futebol é uma lição.
Os miúdos são uma lição. 
O futebol infantil é uma lição.

Os miúdos portam-se melhor do que os pais, num verdadeiro exemplo de FairPlay, companheirismo e sentido de responsabilidade.

 

Enquanto os pais assobiam da banca, os miúdos aplaudem-se uns aos outros em campo.

Enquanto os pais insultam o árbitro, os miúdos pedem-lhe desculpa.

Enquanto os pais se enervam, os miúdos divertem-se à brava, numa mistura de hobby, competição e adrenalina.


Comove-me o seu sentido de compromisso. A 
forma criativa com que lidam com a pressão. A alegria depois de um bom passe.

Comovem-me as palmas. O barulho de fundo. As comemorações.
Comovem-me as medalhas. As taças. Os gritos de golo.


Como eu estava enganada em relação ao futebol, à indiferença, ao que afinal me faz sentir.
Hoje foi dia de torneio. O último desta época. E perdi a conta às vezes que me deixei levar...

... e me comovi com os miúdos.

 

 

Qua | 19.06.24

A avó Lurdes

Maria Delgado Carvalho

5A178D79-5A7B-4B85-BA58-64D3E68BFCF9.jpeg

Todos temos avós, independentemente de os chegarmos a conhecer ou não. Avós maternos e avós paternos. Com mais ou menos relevância na nossa vida. Mais ou menos presentes. Uns marcam, outros nem tanto.


Tal como toda a gente, também eu tive uma avó materna - a avó Lurdes (que está na fotografia), um avô materno - o avô Chico (Francisco), uma avó paterna - a avó Conceição, e um avô paterno - o avô Manuel.
Conheci todos, menos o avô Manuel.

 

Quando me perguntam um cheiro da minha infância, as memórias remetem-me para a brilhantina de um avô inspirador, mas muito mais para o bolo acabado de fazer, de uma avó  altiva, elegante, exigente com os filhos e ainda mais com os netos. A minha avó Lurdes.

 

A minha avó Lurdes era pouco avó. Tinha o cabelo sempre acabado de sair da cabeleireira. Pintava os lábios e as unhas de rosa choc, andava sempre de saltos e nunca vestiu um par de calças.

 

Adorava tomar banho no mar, mas usava sempre uma touca para não desmontar o penteado. Era sempre a mais bronzeada. A mais elegante. A mais assídua.

A minha avó Lurdes fumava SG Gigante. Sabíamos sempre quais eram as suas beatas no cinzeiro. As com o filtro pintado a batom cor de rosa.

 

A minha avó Lurdes bebia sempre um copo de vinho às refeições. E tinha lugar marcado na cabeceira da mesa. Todos sabíamos disso. Ninguém o ocupava.

 

A minha avó Lurdes teve 7 filhos. Destes filhos, nasceram uma carrada de netos. Somos muitos. E, talvez por isso, tenha havido ligação com todos e não tenha havido ligação com nenhum. O meu irmão era o preferido. Dos rapazes, o mais velho.

A minha avó Lurdes era diferente, sem dúvida. No ser e no estar. Era mais bem-disposta do que carinhosa. Mais atenta aos filhos do que aos netos. Mais atenta aos rapazes do que às raparigas.

 

A minha infância também cheira a casa da avó, a flores do campo, a torradas com flora, a bolo acabado de sair do forno, a rissois de camarão, arroz de tomate e salada russa.


A casa da avó Lurdes cheira a saudades dos pais. Cheira a início de férias. Cheira a Zélia [a empregada interna da minha avó], que sem ser avó e sem ter idade para o ser, tantas vezes fez o seu papel. Na cozinha. Na dispensa. A fazer as camas e a arrumar os quartos. A passar a ferro.


A minha infância cheira a primos em casa da avó Lurdes. Cheira a buchos. A bicicleta na rua. A bilha de gás equilibrada nos pés. A gritaria. A medo de ser a última a adormecer numa casa que mais parecia um castelo.

 

Tive avós na minha vida, três. Avós pouco avós. Que nunca tiveram comigo as ditas conversas de avós. Nunca me ensinaram lições para e sobre a vida.

Mas não faz mal. Nem para eles, nem para mim.

Foi assim, porque assim tinha de ser. E foi tão bom na mesma.

Tenho saudades de cada um deles, com o que cada um me deu. Com o que fomos. 

Porque os avós não tem de ser. Têm de sentir e fazer sentir. E aí, tenho a certeza de que mesmo sem conversas de gente crescida, tive tudo o que tenho direito. Carisma.

Ter | 18.06.24

Para > de 40

Maria Delgado Carvalho

a partir dos 40.jpeg

Hoje faço 46 anos.

Podia ter começado este blog aos 35 anos ou aos 20, ou aos 60. Mas não era a mesma coisa. Porque aos 40, começamos e deixamos de fazer uma série de coisas fulcrais para o bom funcionamento de tudo o resto.

 

Começamos a berrar com os miúdos como nunca berrámos (que, à partida, estarão na idade da auto-afirmação).

Começamos a fazer uma figura bizarra sempre que queremos ler a ementa num restaurante ou o rótulo de um produto no supermercado, numa tentativa doentia de adiar a necessidade dos óculos de ver ao perto.

Começamos a fazer xixi em qualquer lado, mesmo que o que não haja de papel higiénico, haja de espetadores.

Começamos a beber vinho, em vez de vodka. E um copo meio cheio chega para fazermos a festa.

Começamos a adorar a m80 , com verdadeiros karaokes no carro.

Começamos a usar mais roupa e a tapar o que efetivamente também passámos a ter a mais.

Começamos a usar cremes para tudo e mais alguma coisa. 

Começamos a andar de mochila.

Começamos a tornar-nos mais contestatárias, porque também nos tornamos mais conhecedoras.

Começamos a ter consciência do medo, das doenças e de que tudo o que começa também termina.

Começamos a estar mais atentas aos pormenores. [Como os cabelos brancos, a celulite, os pés de galinha e afins...].

Começamos a querer estudar novamente.

 

Deixamos de nos dar com pessoas de mente pesada. Viva as lufadas de ar fresco, as mentes equilibradas e a paz de espírito.

Deixamos de nos preocupar com o que os outros pensam e passamos a preocupar-nos mais com o que nós pensamos.

Deixamos de ligar à roupa e damos prioridade ao conforto. Os saltos passam a ténis, a calças largas e a vestidos esvoaçantes, que tapem a saliência abdominal.

Deixamos de demorar 1 hora a tomar banho.

Deixamos de ter o cabelo comprido e passamos a tê-lo curto. Faz-nos mais novas, achamos nós!

Deixamos de acreditar que os pais são eternos.

Deixamos a televisão e passamos aos livros.

 

Começamos, deixamos... os 40 têm tudo, só não têm comparação.