Os jantares com as amigas são uma terapia. Especialmente aqueles bem ao jeito Sexo e a Cidade, como os nossos. Cinco mulheres, todas com mais de 40 anos e menos de 50, quase todas da cidade, uma da praia e eu do campo. Quatro casadas, uma na segunda ronda e uma divorciada. Todas com dois ou mais filhos.
Na semana passada, no grupo de WhatsappVelhas e Gordas, o nosso grupo, eu lancei a primeira escada: Está na altura de fazermos mais um jantar! Ainda nem tinha terminado a frase e carregado no ENVIAR já estávamos a discutir o ponto de encontro: campo ou cidade? Desta vez é no campo, porque os últimos foram na cidade.
O jantar ficou marcado para as 20H30. No dia seguinte é dia de trabalho e como não vamos para novas, já ninguém nos tira as oito horas de sono de beleza. Por isso, convém termos tempo para pôr a conversa em dia, mas não deitar muito tarde.
Todas temos um papel bem definido e há uma que leva sempre o carro. Fez a recolha habitual na hora e local combinado e aí vêm elas ter comigo ao campo.
Não estava lá para ver, mas diz que a viagem foi barulhenta e animada, apesar do trânsito a sair da cidade. É que ontem jogava o Benfica e estava a chover. A combinação explosiva para circular de carro, ao final do dia, em Lisboa.
Às 20H00 estávamos todas à porta do restaurante. Muitos abraços, risota e primeiras impressões. Entrámos no restaurante e fomos até à mesa previamente reservada por mim.
Trinta minutos e muitas abordagens depois [por parte do empregado], lá escolhemos o prato e as bebidas.
A tradição ainda é o que era. Coca-cola Zero e água porque os refrigerantes engordam, mas as batatas fritas não fazem mal e são permitidas! Um dia não são dias...
Em jeito de sala de aula, começamos a pôr a conversa dia. Falamos à vez e só falta pormos o dedo no ar.
Os divórcios que não saem, os miúdos e a pré adolescência, os pais a envelhecerem, os namorados, os trabalhos, os despedimentos, o querer mudar de vida, as fofocas, as alegrias e as doenças, as maminhas que se compõem, os rabos que deviam ser mais firmes, as manchas, as rugas, nós, os outros e nós com os outros...
Mais de vinte anos de amizade, a caminho de umas bodas de prata que são muito mais do que tempo.
É tão bom estar sem vos ver meses e o reencontro saber sempre a ontem!
O drama da indecisão é tramado. Mais do que o drama em si, para quem o tem, é o drama de quem convive com quem tem este drama.
Vai ou não vai. Não quer ir, mas acha que tem de ir. Portanto, vai. Mas não lhe apetece e fica na dúvida se vai ou não vai.
Em boa verdade, não tem de ir, mas não sabe o que vai dizer para explicar que não vai.
Afinal, se calhar é melhor ir. Mas não quer e não vai. Fica chateado porque acha que tem de ir. E vai. Porque sabia que tinha mesmo de ir.
Compra ou não compra. Quer comprar e até precisa, mas acha que não deve comprar e desiste da compra. Mas faz-lhe falta e tem de comprar. Não sabe quando vai comprar e se vai comprar. Mas precisa. Só não sabe se há-de comprar.
E compra. Porque apesar de não saber se ia comprar, tinha de comprar.
Gosto, mas não sei se gosto. Agora gosto, mas antes não gostei. Vou gostar, mas ainda não gosto. Não sei se gosto, porque já gostei mais do que gosto. E acho que ainda vou gostar, mas ainda não sei se gosto. Quero gostar, mas não gosto. Vou conseguir gostar, quando deixar de não gostar.
E gosto. Porque sei que nunca deixei de gostar, desde que gosto.
E depois vem o diz. Diz ou não diz. Acha que tem de dizer, mas não sabe como. Decidiu dizer, mas ainda não disse porque agora não sabe onde. Quer dizer, mas não sabe se deve. Pode dizer agora, e não diz. Mas acha que é suposto dizer. Quer dizer, mas não sabe como.
E diz. Porque, no fundo, sabia que tinha de dizer.
E enquanto vai não vai, compra não compra e diz não diz, já a Terra deu mais uma volta ao Sol.
São quase 9h00 da manhã, desta 2ª feira. No meu local de trabalho... eu ainda não tinha entrado completamente, nem dito Bom dia...
Mudança da hora!
Este horário não dá jeito nenhum. O frio veio de repente. Que chatice! Andarmos todos encasacados como sardinhas em lata.
Porque o Verão é que é. Os dias grandes. As manhãs com luz. Sair do trabalho e ainda ser dia. Haver toda uma segunda vida pós laboral.
Mas afinal no Verão, é tudo uma chatice. O calor irrespirável. O corpo peganhento. O querer dormir até mais tarde ao fim-de-semana e a luz a entrar cedíssimo pela janela dentro. E, se pensarmos bem, não se consegue ir a lado nenhum. As esplanadas cheias, os restaurantes, as praias e os parques de estacionamento.
E as férias dos miúdos, que nunca mais acabam. As guerras por causa dos computadores, dos telemóveis e o hibernar no sofá. E agora, que nunca mais entram de férias, para não haver refeições para organizar, a pressa de chegar e a preocupação com a greve.
E estes seis meses de teletrabalho forçado [por causa das obras no escritório]?! Só chatices! Trabalhar no caos da mesa da sala. A cadeira desadequada, que deu cabo das costas. Os horários alargados. E a falta que fez trocar o fato de treino e as pantufas, pela roupa para sair. Os colegas para conversar. A rotina.
Mas afinal está tudo na mesma. Não lhe fez nada bem estar em casa. Continua igual. E este regresso ao escritório não está a ser nada fácil. Acordar mais cedo. O trânsito. O estacionamento. Aquecer o almoço no micro-ondas e almoçar num tupperware.
O barulho da impressora. O ar condicionado na garganta. As deslocações. O acartar com o portátil às costas. A correria para não chegar tarde ao ginásio, à escola dos miúdos, ao curso em pós laboral.
Adoro o teletrabalho, naquela altura é que estávamos bem.
Fizeste anos de casa? [mais um ano na empresa] Tens de trazer bolo!
Trouxeste bolo para quê?! Estamos a fazer um esforço enorme para emagrecer até ao Natal. Não podias ter trazido gelatina ou galhetas de milho? Sem chocolate, claro. Porque já temos aqui a marmelada para pôr por cima.
E a máquina de café? Não tem água. O depósito tem verdete. Deixaram aqui uma cápsula. A máquina não liga. Tem de ser descalcificada. Está a fazer um barulho estranho. Com as obras, parece que avariou e a água não aquece. Está entupida. Queremos outra... ontem!
Mas o pior é que este queixume se pega. E como há sempre alguma queixa para fazer, encontramo-nos todos ali. E vamos fazer o quê? Deixar de trabalhar? Não, pois não? Deixa-los a falar sozinhos? Pior!
Se o facto da profissão de Influencer agora ser um posto. No meu tempo, a antiguidade, sim, era um posto. E pior, são as ditas que se auto-intitulam disso mesmo. Porque as que realmente são, limitam-se a ser.
Ódios de estimação à parte e porque se trata apenas de nomenclaturas e pouco mais, o desabafo hoje vai mesmo para a profissão.
Tal como em todas as profissões, há Influencers e Influencers. As que realmente são e aquelas para os quais não passa de um sonho. Para ser Influencer não basta querer e querer muito, a todo o custo, senão o mais provável é cair-se no ridículo, o que há de mais cruel nas redes sociais.
A febre de ser Influencer é tal, que algumas andam noutra dimensão e facilmente entram no vale tudo, mesmo tudo, só para chegar a mais pessoas. Mais, que não significa as melhores e as mais adequadas àquilo que comunicam. O objectivo é chegar, que é como quem diz, gostos e audiências.
Mas fica a dica, até porque a minha geração [1978] não dura para sempre e nunca é demais lembrar: Não publiques nada hoje que te envergonhe amanhã... porque amanhã vai continuar online, à vista de todos.
Basta olhar para as redes sociais com um olhar mais atento, para perceber que esta nova geração de Influencers [algumas das que se auto-intitulam e não as que realmente são], estão a perder completamente o Norte ao cair na tentação das marcas, das ofertas, do número de seguidores.
Miúdas de 20 e poucos anos a falar de menopausa e cremes para peles maduras?!
Cada um fala do que quer. Longe de mim de questionar a liberdade de expressão... mas, também eu estou no meu direito de questionar se isto fará sentido.
É que, se por um lado há marcas com estratégias certeiras no que toca a Influencers, por outro, parece-me arriscado unirem-se a estas pessoas, cuja probabilidade de não estarem muito alinhadas com a marca, é gigante.
Todos cometemos erros e damos passos em falso, sim, é verdade. Mas, também por isso é que nem todos somos Influencers. Porque não é para quem quer, é para quem pode. Para quem destila valor, credibilidade, critério, conhecimento e experiência na área em que actua.
Ser Influencer não exige apenas trabalho árduo e esforço em muitas e muitas publicações. Ser Influencer é muito mais do que isso. São precisos os dois "Cs": consistência e coerência. E resistir à tentação de promover [quase] tudo.
Sou fã do digital e tiro-lhe o chapéu. Veio democratizar a aprendizagem, globalizar a informação e facilitar a troca de ideias e a partilha de experiências. Mas, ao mesmo tempo, continuo a ser um bocado antiga em certas coisas. Custa-me perceber esta febre por gente com dois palmos de testa, menos de três décadas de idade e pouca ou nenhuma experiência de vida. Podia ser só mais uma febre, é certo. Mas esta já dura há tempo demais.
Obviamente que acho fundamental a colaboração das Influencers como forma de potencializar as marcas e determinados produtos. A sua divulgação. Demonstração. Aprovação. Mas o lixo digital, neste sentido, já é tanto, que se torna muito difícil separar o trigo do joio.
E não será esse o papel principal das Influencers? Ajudarem-nos a nós, consumidores, nas nossas escolhas?
Gosto de estar em casa quando os miúdos vão e quando voltam.
Gosto de abrandar o ritmo. De acordar lentamente. E de me preparar para o dia, igualmente sem pressa.
Em Maio, no escritório onde trabalho, mandaram-nos para casa. Íamos mudar de instalações. Para metros à frente, com mais luz, mais espaço, melhores condições. Foi música para os meus ouvidos.
Assim que as aulas acabaram, mudámos para a casa que temos em frente à praia. De quatro paredes, passei a trabalhar com o céu como limite e o mar como cenário. Tive liberdade de movimentos e de horários.
Só que não.
O que queremos nem sempre é o que nos faz bem. E foi o caso.
Estava com os meus filhos e o meu marido, mas faltavam-me os colegas, as reuniões, a troca de impressões, o barulho da impressora, os telefones a tocar, a roupa de trabalho, o pegar no carro e ir, e o sair de casa. Sim, a peça-chave da saúde mental de qualquer pessoa: o sair de casa.
Os meses foram correndo e nunca me apercebi do que se estava a passar. Sentia-me bem. Senti-me mais tranquila, menos cansada. Apesar de trabalhar na rua, de estar na praia, raramente saí de casa, de Maio a Outubro.
Mas nós não somos feitos para estarmos tranquilos, em casa. Precisamos de chatices, discussões, stress, de ir descarregando as energias, tal como as placas tectónicas têm de ir fazendo as suas descargas para não originarem um tremor de terra ainda maior.
À volta desta paz artificial que é o estar em casa, instalou-se um mau estar silencioso, uma inquietação permanente e desgastante, que eu nem sabia ser possível. Não comigo.
Acreditei a vida toda que era um bicho do mato. E a própria vida encarregou-se de me mostrar que afinal a ausência de pessoas, interacções e situações, me fazem tão mal. Nos fazem, a todos, tão mal.
Precisamos de ser, de estar, de passar, de viver e conviver. E eu não sou diferente.
Não ser, não estar, não passar, não viver nem conviver é contra natura e traz essas tais consequências silenciosas, duras.
É como quando deixamos de ir a concertos. Quando voltamos, aquela confusão, o barulho, a multidão, deixa de ser uma festa e passa a ser desconfortável. Mas quanto menos vamos, mais este desconforto vai aumentando. E só temos duas opções: ou contrariamos, ou deixamos de ir. E deixar de ir não pode ser a resposta.
Apesar de tanto se falar de saúde mental, tantas e tantas vezes somos apanhados desprevenidos e achamos que o que queremos é o que nos faz bem. E pode não ser.
Não sou de remoer. De matutar. De marcar passo. E apercebi-me a tempo. Aliás, estamos sempre todos a tempo. Mas é tão difícil reverter a situação. É preciso querer muito e com muita força.
Vamos embora para a frente, que a vida faz-nos tão bem... uns com os outros!
Os nómadas digitais incomodam muita gente. Porque estacionam em qualquer lado. Porque deixam lixo. Porque não consomem. Não dão dinheiro ao país.
A mim não me incomodam e eu gosto deles. Dão cor às esplanadas e vida aos bancos de jardim.
Dão-nos mundo. Outras línguas e outras culturas. Mostram-nos o que desconhecemos. Despenteiam a nossa rotina e inquietam-nos os sonhos.
Porque as segundas-feiras não têm de ser uma m€rd@. E eles sabem-no e vivem o momento. E vivem-no bem. Porque O ontem já foi e O amanhã não é para já. A vida não tem de ser séria. E eles não se levam muito a sério. E deixam simplesmente fluir.
A mim não me incomodam. Não tenho nada para me sentir incomodada. Não sou dona de um estabelecimento comercial. Não tenho espaço onde possam pernoitar. Não vejo o lixo que deixam, nem o dinheiro que não gastam. Só vejo a vida que levam e tenho inveja. Daquela feia, de querer ser eu a estar no lugar deles e não sou. Não serei. Podia ter sido, mas no meu tempo não era assim.
Não precisam de nada, mas têm tudo. Têm tempo. Autonomia. Margem de manobra e mundo. É isso, eles têm mundo. Adormecem em Marrocos e acordam em Portugal. Dei este exemplo. Mas podia ter dado outro qualquer. Para eles, o céu é o limite. Hoje estão aqui e amanhã sabe-se lá. Coisa de quem não tem de fazer planos e a diferença horária não faz diferença [...]. Porque o tempo é deles, não é de mais ninguém.
Não se consegue perceber a disparidade de ordenados entre homens e mulheres. Se fosse em trabalhos físicos, que exigem força de braços, eu até dava de barato. Mas esta diferença é mais significativa em quadros superiores, onde o que se quer são maiores competências, liderança... Não percebo, nem faço esforço algum para perceber. Porque não há uma justificação possível.
Portugal no seu melhor... pensamos nós.
Na na ni na não! Não sejamos más línguas. Portugal não está sozinho nesta situação. É uma realidade também noutros países. Basta estarmos atentos às notícias.
Portugal no seu melhor, agora sim, é sabermos que desde 2019, temos uma lei em vigor que determina a igualdade salarial. Mas para que servem as leis? Para não serem respeitadas, pois está claro! A lei até podia dar um empurrão, só que não!
Vamos escavar ainda mais. Trocar este tema por miúdos. Mas afinal estamos a falar de quantos €?
Uma mulher, num quadro superior de uma empresa, recebe em média 2217 € brutos. Ou seja, menos 761 € / mês [26%] do que um homem no mesmo cargo. As funções podem até não ser exactamente as mesmas, mas não deixa de ser uma tremenda discriminação. Nota: estes dados têm dois anos, são de 2022, mas são os mais actuais, disponibilizados ao Expresso pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento, do Ministério do Trabalho (GEP - MTSSS). Aliás, se não tivesse lido estes dados no Expresso, juro que não acreditava.
Mas com isto, podemos nós bem. É que se os nossos ordenados são, regra geral, mais baixos, a probabilidade de uma mulher chegar a um cargo de chefia é igualmente mais baixa.
Mas não vamos dispersar. Continuemos a bater no ceguinho e falemos do geral. Pois é, no geral, as mulheres ganham menos 239 € / mês [16%], do que os homens.
E, atenção, não é uma questão de canudo. A geração da doméstica com muito talento, mas parca formação, já era. Nós somos mais qualificadas do que Eles, sendo que 57% de nós tem formação superior, em detrimento dos 42,9% dos homens.
Mas afinal quais são as causas desta desigualdade? Ninguém sabe. Mas que as há, há.
Será cabelo a mais? Será roupa a menos? Cabelo não é certamente e a roupa não pode incomodar assim. Mas quando olho à minha volta, começo a achar que é esse bocadinho assim que nos falta.
Em pleno século XXI, continuamos a estar em clara desvantagem e, em contexto de entrevista de emprego, a ouvir a pergunta se temos filhos e as idades. E garanto-vos que não é para anunciarem que a empresa premeia os colaboradores com um Seguro de Saúde, extensível a toda a família.
Presas por termos filhos, presas por termos vida para além do trabalho, presas por termos cabelo comprido e presas por não termos gravata.
É que até a expressão jobs for the boys não abona a nossa favor.
Hoje trago a história do Sr. Álvaro, mais conhecido, entre nós, pelo "O Pintor". Aliás, o próprio diz frequentemente que Álvaro não o faz virar a cabeça e responder pelo nome.
O Sr. Álvaro tem cerca de 60 anos e é o pintor cá de casa. "O Pintor" que vem quase com tanta regularidade como a senhora que nos ajuda a limpar a casa. Não é a senhora que vem pouco, essa vem semanalmente, é a zona que é húmida e as paredes exteriores rapidamente passam de branco imaculado a verde verdete.
É alto e espadaúdo, não por escassez, mas porque assim tem de ser.
Põe andaime, tira andaime, acarta um, dois... baldes de tinta, mais braços houvesse. Assobia, ri-se, canta, mas tudo num silêncio sepulcral. Defende que, quando estamos a trabalhar, não nos devemos atrapalhar uns aos outros. E o barulho atrapalha.
Entra pelo nosso portão pelas 08.00 da manhã. Ainda estamos de luz acessa e a tentar abrir os olhos para mais um dia.
Sorrateiramente, estaciona a sua carrinha carregada de coisas. Ajeita os andaimes, põe o boné de trabalho e está pronto para arrancar.
Um destes dias, perguntei-lhe se gostava do que fazia. Pela alegria, pelo brio, pela pontualidade. Disse-me que era a única coisa que sabia fazer. E que fazia bem! Chamou-lhe sorte. Podia não ter sido assim.
Às 13.00 em ponto, toca o alarme do telemóvel. O único som que vem do Sr. Álvaro, num dia inteiro de trabalho. É para saber que está na hora, não vá ele esquecer-se de que tem de almoçar.
E sai, tal e qual chegou. Em silêncio.
Às 14.06 está de volta. Nem mais nem menos um minuto.
Quando me vê estender a roupa, faz sempre o mesmo comentário: Hoje é que está bom. A roupa seca que é uma maravilha.
Calculo que tenha uma mulher em casa que se queixa constantemente do tempo húmido da zona. Aquela mesma humidade que dá trabalho interminável ao "O Pintor", senhor seu marido.
O trabalho só termina, quando a luz do dia acaba. Tem de ser. Só cá estamos uma vez e não se pode desperdiçar nada. Fico baralhada. Será que se refere à vida ou a trabalhar em nossa casa? É que passa a vida cá em casa e trabalhar é desperdiçar.
Amanhã é sábado. Mas sábado também é dia. Porque isto é a única coisa que sabe fazer. E faz bem! É sorte. Porque podia não ter sido assim.
Mais senhores Álvaros houvesse. Mas se os houvesse... este não tinha trabalho.
Joana d'Arc, Pablo Escobar, Maria Antonieta, Santo António, Rosa Parks, Napoleão, Ada Lovelace, Saramago, Lucrécia Bórgia, Jesus Cristo, Sartre, Lady Di, Bob Marley: todos mortos. Não vale a pena esperar outra coisa da vida a não ser o seu fim. Porém, como dizia Camões, há aqueles que se vão da lei da morte libertando e, em vez de irem fazer tijolo, fazem História nem sempre pelas razões mais nobres, mas é, provavelmente, para o lado que dormem melhor.
Com as suas notas necrológicas dignas de antologia, Hugo van der Ding demonstra, todas as manhãs, na rubrica Vamos Todos Morrer da Antena 3, e, agora, com este livro, que nem a História tem de ser um relato aborrecido e soporífero dos grandes feitos e acontecimentos, nem o entretenimento tem de ser um atentado a todos os nossos neurónios.
Até ao fecho do presente livro, das 141 almas que foram desta para melhor e cujas venturas são aqui descritas, nem uma reclamou do obituário que lhe calhou em sorte.
O AUTOR
Hugo van der Ding (n. 1982) nasceu no Convento de Santo Domingo, em Asunción, no Paraguai, onde a mãe tinha entrado como noviça por estar à espera de bebé de um homem casado de ascendência holandesa. Aos cinco anos, acompanhou a mãe como missionária à Índia. Estudou no Colégio de São João de Brito, em Cochim, e foi depois secretário pessoal do bispo da mesma cidade, Joseph Kureethara. Nos jardins da diocese, apaixonou-se por Botânica e trabalhou como desenhador científico para a Universidade Estadual de Kerala. Fascinado com a presença portuguesa em Cochim, e com as figuras que por lá passaram — de Camões a Vasco da Gama, de São João de Brito a Afonso de Albuquerque — compra um bilhete de avião só de ida e aterra em Lisboa, em 2010. Depois de descobrir que todas estas figuras já tinham morrido havia vários séculos, entrega-se ao álcool e às corridas de cavalos. E foi precisamente nas corridas de cavalos que fez uma relativa fortuna, o que lhe permitiu pagar para trabalhar na escrita, no teatro, na rádio e em televisão. Também desenha e é embaixador em Portugal da Xiomani, multinacional chinesa de falsificação de artigos de luxo.
REVIEW
Não conhecia o autor, nem mesmo o podcast. Adorei!
É caso para dizer não é para quem quer, é para quem pode escrever assim de forma tão fluída e com um sentido de humor absolutamente subtil, mas que encaixa que nem uma luva.
Este é um livro de biografias diversas, mas que lhes junta um humor próprio e, mesmo para quem ainda não conhece o autor, como era o meu caso, rapidamente se vai aperceber de que é um humor muito característico, muito próprio, inigualável.
Sou fã da biografia tradicional [não por serem a sério, mas por serem sérias] e em momento algum senti que esta obra as pudesse, sequer, beliscar. É outra forma de relatar vidas. Umas já as conhecemos, outras nem tanto, mas mesmo as que não conhecemos queremos devorar. E vamos passando as páginas, sempre com muita curiosidade para saber quem é o próximo.