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barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

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quem tem alma não tem calma.

10.10.25

A felicidade do "quase"


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Gostamos do que está feito. O objectivo cumprido. Ir riscando a lista. O troféu do fazer-fazer. Há uma obsessão por chegar. Por concluir. Por estar. Mas o tem um problema. Costuma durar pouco. É o golo final do café, aquele que prometia o sabor perfeito, mas que já vem frio. É a fotografia tirada depois de meses e que não diz nada sobre o vazio de ter atingido o resultado. É a meta atingida. A casa decorada. O amor oficial.

 

O é o fim. E o fim, por mais gratificante que pareça, é sempre o início do tédio. Há uma felicidade tão grande e tão secreta no quase. Naquele instante em que ainda não chegámos, mas já sentimos o estar perto. O quase é o lugar onde tudo ainda pode acontecer. Onde o desejo ainda tem espaço para respirar. É o intervalo entre o antes e o depois. O pequeno abismo que separa a esperança da realização. E é aí, nesse desequilíbrio controlado, que a vida nos faz tão bem.

 

O quase é a nota suspensa antes do refrão. É o projecto que ainda não está pronto. É o corpo cansado que ainda não chegou à praia, mas já sente o sal no ar. Não há nada mais humano. O feito, é absoluto. Entediante. O quase é imperfeito. Verdadeiro. É nele que mora a energia que nos faz continuar. A tensão que nos mantém despertos.

 

A felicidade do quase é uma felicidade móvel. Inquieta. Feita de movimento e de intenção. Não precisa de garantias, porque se alimenta do processo. É uma alegria que respira. Ainda não foi embalsamada pela conclusão. O quase é leveza. Não por nos contentarmos com pouco. Mas por reconhecermos que pouco em movimento é mais do que muito parado.

 

É o corredor que sabe saborear a passada antes da meta. O artista que entende que o quadro nunca está realmente pronto. O pai que descobre prazer no caos do ainda não cresceu. Porque a felicidade do quase não é preguiçosa. É inteligente. O quase é a resposta. O lugar onde o erro é fértil. Onde o caminho ainda se desenha. Onde o coração bate mais depressa porque o destino ainda não está traçado.

 

A nossa cultura ensinou-nos a temer o quase como se fosse falha. Mas a nossa cultura ensina-nos tanta coisa...
O quase é o estado mais lúcido que existe. É onde o presente se manifesta com mais nitidez porque ainda não há o conforto do resultado. Nem o peso da perda. Só o instante. Em suspenso. Puro. Eléctrico.
No quase não se olha para trás nem para a frente. Sente-se.

 

E por isso deviamos  coleccionar menos vitórias e mais quase [s]. Menos conclusões e mais começos interrompidos. Menos certezas e mais tentativas que nos mantenham curiosos. Porque a vida é uma sequência infinita de chegadas adiadas.

 

E é precisamente essa imperfeição que nos salva da monotonia. A verdadeira felicidade não está em chegar. Mas em estar sempre a caminho. Com a sensação de que falta pouco. O suficiente para o coração continuar a bater com vontade. E isso, no fundo, é o mais perto que alguma vez estaremos de estar vivos.