Cirque du Soleil
sem spoiler
Cirque du Soleil, Lisboa.
Eu estive lá. Não foi a primeira, nem a segunda vez. Não será a última, espero.
Miúdos, muitos. Adultos com o coração a transbordar de infância. Não saímos indiferentes. Saímos tocados. Como se alguém tivesse acendido uma chama esquecida.
Mas não é só o espectáculo. As acrobacias. E os números que desafiam as leis da Física. São quem vive por detrás de tudo isso. Os artistas. Homens e mulheres. Pessoas reais como nós. Do mundo até Lisboa. Um mosaico cultural riquíssimo, com histórias e talentos únicos.
São ginastas, bailarinos, antigos atletas olímpicos, músicos, contorcionistas, malabaristas. Contadores de estórias e histórias com o corpo. Percursos improváveis, que os levaram a este palco. Muitos começaram ainda miúdos. Treinos rigorosos. Disciplina. Outros encontraram o circo mais tarde, vindos do teatro, da música, da rua. Uma diversidade de talentos que cresce em conjunto.
Por detrás do espectáculo, está uma vida entre aeroportos e hotéis. Malas que nunca se desfazem completamente. Meses longe da família, emprestados que estão a outras famílias. Lugares vazios à mesa, em datas especiais. Dormir em fusos horários desalinhados. A lesão que acompanha, mas não é dona. Um dia-a-dia onde a adrenalina se mistura com alguma solidão. Onde cada noite é uma estreia.
Vivem em trânsito. Porque quando as luzes se desligam e o pano cai, não é para casa que vão. Falam por videochamada. Mandam mensagens noutras línguas. Os fusos horários. Não há como suavizar o peso da distância.
O Cirque du Soleil tem um impacto enorme nestes dias em que tudo é um bocadinho descartável. É o querer muito e o começar cedo. E, por isso mesmo, vai muito para além do espectáculo. Ninguém tropeça. E naquelas duas horas somos devolvidos ao espaço. Ao aqui e agora. Estamos por inteiro. Os artistas estão por inteiro. Há um espírito de equipa com o próprio corpo. Com os outros artistas. Com o público, que espera tudo. Há rotina. Repetição. Risco constante. Mas mesmo assim, há entusiasmo. Cumplicidade. Um idioma sem palavras.
Fica uma nota, em forma de pergunta: Como é que eles conseguem fazer aquilo? Acho que a resposta não está no treino. Na técnica. Na disciplina. Está no que nos move. Por isso mesmo é que não é sobre o espectáculo. É sobre a metáfora. O lembrete...
... por detrás, há sempre uma história. Carregada de entrega.