Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

16.10.25

Discriminação,

o nome das pedras.


Design sem nome - 2025-10-16T145026.780.png

 

Tem má fama. A palavra discriminação. É dita com as mesmas rugas na testa quando se fala de injustiça, corrupção ou guerra. Mas o verbo discriminar, no dicionário, não nasceu vil. Originalmente, significava distinguir, separar com critério. A natureza discrimina a flor que só abre à luz certa e o corpo rejeita o que lhe é tóxico. O problema começou quando trocámos o critério pela conveniência e o instinto pela convenção.

 

Hoje, discriminamos com a mesma naturalidade com que respiramos. Só que raramente nos damos conta. A discriminação deixou de ser o grito. É agora o sussurro. Está na escolha da mesa do restaurante. Na vaga simpatia que temos por quem fala como nós. Na desconfiança automática perante o que não cabe no molde do nosso conforto.

 

Há a discriminação óbvia. A racial. De género. Orientação sexual. Idade. Classe. Corpo. E crença. Mas há também as suas versões gourmet. As que passam despercebidas no jantar de amigos cultos, como a discriminação estética, a forma como a beleza abre as portas que o mérito ainda procura. A intelectual, o modo como quem fala bem é ouvido como o sotaque popular não merece. E a existencial, a tendência para achar que quem vive fora da cidade, ou não tem LinkedIn, tem ares de paleolítico.

 

Por natureza, somos seres discriminatórios. Seleccionamos. Avaliamos. Preferimos. A questão não é deixar de discriminar, mas saber o que fazer com essa capacidade. Se a usamos para excluir ou para compreender melhor. Se nos serve de muro ou de espelho. O século XXI sofisticou o preconceito. Já não se grita o insulto, publica-se a piada. Já não se nega o lugar, ignora-se a presença. Já não se ergue a fronteira, mas sim a indiferença. A discriminação moderna não precisa de inimigos declarados. Basta o silêncio.

 

Talvez o desafio seja reabilitar o verbo original. Voltar a discriminar bem. Distinguir o que realmente importa do que só serve para nos separar. Saber ver as diferenças sem lhes atribuir hierarquias. Reconhecer o outro como isso mesmo, outro. O oposto de discriminar nunca será nivelar. Mas compreender. E compreender é, afinal, o primeiro passo para qualquer sociedade que se queira.