Gastar dinheiro,
de forma intencional.

Fala-se de poupança como quem fala de higiene. É um dever básico. Fala-se de investimento como se fosse a versão adulta da ambição. Quem sabe investir está a construir o futuro. Mas raramente falamos de gastar dinheiro de forma intencional. Sem culpa. Sem desperdício. Gastar parece sempre associado à leviandade. Ao impulso. À falta de disciplina. Como um erro a justificar.
Só que gastar é inevitável. Um acto que molda tanto a nossa vida quanto poupar ou investir. O que diferencia o gasto consciente do gasto culpado é a clareza. Saber por que motivo aquele dinheiro saiu e que papel tem.
O problema é que não aprendemos a gastar. Aprendemos a temer a factura. A controlar o orçamento. A cortar excessos. Nunca nos ensinaram a usar o dinheiro como extensão prática dos nossos valores. Não há disciplina financeira que sobreviva sem alinhamento. Se o dinheiro não serve para viver de acordo com o que importa, serve para quê?
Gastar sem culpa não é gastar sem limites. É gastar com critério. É aceitar que dinheiro é recurso. E, como todos os recursos, exige direcção. É tão inútil acumulá-lo sem função quanto desperdiçá-lo sem consciência. Gastar é, em última análise, uma declaração política. O que gastamos reforça ou enfraquece sistemas. Comprar a preço de saldo é financiar práticas laborais precárias. Investir em comida local é apoiar a economia de proximidade. Mas não pensamos assim, porque o discurso público está viciado na tríade poupar-investir-enriquecer.
A consequência é gastarmos mal. Escondidos. Entre pequenos prazeres com sabor a culpa e grandes despesas justificadas como necessidade.
Mas gastar bem também é aceitar o prazer como critério válido. Não é preciso transformar tudo em utilidade ou produtividade. Comprar um bom vinho, um quadro, um concerto, pode não gerar retorno financeiro, mas gera retorno existencial. Porque o problema não é o prazer. O problema é o prazer sem intenção. O que é consumido como anestesia em vez de escolha.
E há uma camada ainda mais profunda. O consumo exibicionista. Um gasto que escraviza. Não nasce de valores próprios, mas da expectativa alheia. A questão não é libertarmo-nos da disciplina. Mas da vergonha. Porque o dinheiro não é neutro. Ele organiza o tempo. O espaço. As relações. Usá-lo em coerência com o que se acredita é o único antídoto contra a sensação de estar sempre a desperdiçar.
No fundo, bem no fundo, a verdade é que fazemos contas ao futuro, esquecendo que o presente também é contabilizado.