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barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

03.10.24

Mais houvesse


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Hoje trago a história do Sr. Álvaro, mais conhecido, entre nós, pelo "O Pintor". Aliás, o próprio diz frequentemente que Álvaro não o faz virar a cabeça e responder pelo nome.

 

O Sr. Álvaro tem cerca de 60 anos e é o pintor cá de casa. "O Pintor" que vem quase com tanta regularidade como a senhora que nos ajuda a limpar a casa. Não é a senhora que vem pouco, essa vem semanalmente, é a zona que é húmida e as paredes exteriores rapidamente passam de branco imaculado a verde verdete.

 

É alto e espadaúdo, não por escassez, mas porque assim tem de ser.

Põe andaime, tira andaime, acarta um, dois... baldes de tinta, mais braços houvesse. Assobia, ri-se, canta, mas tudo num silêncio sepulcral. Defende que, quando estamos a trabalhar, não nos devemos atrapalhar uns aos outros. E o barulho atrapalha.

 

Entra pelo nosso portão pelas 08.00 da manhã. Ainda estamos de luz acessa e a tentar abrir os olhos para mais um dia.

Sorrateiramente, estaciona a sua carrinha carregada de coisas. Ajeita os andaimes, põe o boné de trabalho e está pronto para arrancar.

Um destes dias, perguntei-lhe se gostava do que fazia. Pela alegria, pelo brio, pela pontualidade. Disse-me que era a única coisa que sabia fazer. E que fazia bem! Chamou-lhe sorte. Podia não ter sido assim.

 

Às 13.00 em ponto, toca o alarme do telemóvel. O único som que vem do Sr. Álvaro, num dia inteiro de trabalho. É para saber que está na hora, não vá ele esquecer-se de que tem de almoçar.

E sai, tal e qual chegou. Em silêncio.

Às 14.06 está de volta. Nem mais nem menos um minuto.

 

Quando me vê estender a roupa, faz sempre o mesmo comentário: Hoje é que está bom. A roupa seca que é uma maravilha.

Calculo que tenha uma mulher em casa que se queixa constantemente do tempo húmido da zona. Aquela mesma humidade que dá trabalho interminável ao "O Pintor", senhor seu marido.

 

O trabalho só termina, quando a luz do dia acaba. Tem de ser. Só cá estamos uma vez e não se pode desperdiçar nada. Fico baralhada. Será que se refere à vida ou a trabalhar em nossa casa? É que passa a vida cá em casa e trabalhar é desperdiçar.

Amanhã é sábado. Mas sábado também é dia. Porque isto é a única coisa que sabe fazer. E faz bem! É sorte. Porque podia não ter sido assim.

 

Mais senhores Álvaros houvesse. Mas se os houvesse... este não tinha trabalho.