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barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

barulho de fundo

quem tem alma não tem calma.

16.06.25

Chegou ao fim mais um ano lectivo.

Mas o que é que realmente aprenderam?


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Chegam ao final do ano letivo como quem chega ao fim de uma maratona feita de olhos vendados. Exaustos, desorientados, e sem grande noção do caminho que percorreram. Passaram. Com esforço e boas notas. Um para o 7.º, outro para o 10.º ano. Sendo que, este último, ainda tem de decorar mais umas páginas, fazer os exames nacionais. Depois sim, pode descansar.

 

Mas descansar de quê? De um modelo que ainda funciona em modo fábrica, como se os miúdos fossem peças de um processo industrial. Horários segmentados em disciplinas estanques, conteúdos para debitar, avaliações em série. Não importa se compreenderam a matéria, importa se escreveram as palavras certas, no espaço certo, no tempo certo. Treinam-se respostas, não se cultivam perguntas. E eles repetem fórmulas, esquemas, planos de texto. 

 

E não é falta de empenho. Eles até podem estudar horas a fio. Decoram. Sublinham. Reescrevem. Mas ninguém lhes ensinou como se estuda, como se pensa, como se organiza o raciocínio. Ninguém lhes ensinou o prazer de ligar os pontos, de ir mais fundo, de duvidar. Não porque os professores não queiram, os professores estão tão exaustos quanto eles. É o modelo de ensino da escola que hoje temos. O problema é e será sempre estrutural.

 

No fundo, a escola parece não saber muito bem o que é ensinar. Está ocupada a tentar cumprir. Cumprir programas. Cumprir cronogramas. Cumprir metas estatísticas. As direcções vivem sob pressão de rankings e percentagens, os professores sob pressão de turmas sobrelotadas e burocracia infindável. E os alunos, esses, vivem a tentar manter-se à tona.

 

Não se trata de defender o facilitismo. Cá em casa, exigimos. Mas puxar por eles não é o mesmo que sobrecarregá-los. O que vemos é um sistema que exige demais no que não interessa, e quase nada no que realmente forma. Queremos alunos que leiam, que pensem, que saibam construir um argumento. Em vez disso, treinam-se para identificar tipos de sujeito e diferenciar orações subordinadas. Queremos alunos que se sintam desafiados a pensar o mundo. Mas passam semanas inteiras a estudar as fases da mitose sem saber aplicar o que aprenderam de forma prática.

 

A escola não puxa por eles no sentido certo. E não é só a questão dos conteúdos. Há uma igual negligência naquilo a que poderei chamar de infraestruturas. Onde estão os momentos para ensinar a estudar, a organizar informação, a gerir tempo, a lidar com o erro e com o cansaço? Onde está o treino da curiosidade, a construção da autonomia intelectual, a descoberta de caminhos próprios para chegar ao conhecimento? Tudo isto leva tempo. E tempo é o que a escola não tem. Tem calendário. Tem testes. Tem relatórios. Tem grelhas.

 

E depois há o ruído constante da produtividade. Desde cedo, os miúdos aprendem que o seu valor está nos resultados. A nota. O ranking. O quadro de excelência. Pouco importa se gostam de aprender. Pouco importa se se questionam, se perdem tempo a discutir com um colega uma dúvida qualquer. Importa é que cheguem ao fim com o número certo.

 

É aqui que o sistema falha ainda mais. Num país onde se discute tanto a falta de pensamento crítico, a falta de leitura, a falta de criatividade. Talvez fosse tempo de perguntar: quem estamos realmente a formar? Executantes ou cidadãos pensantes? Estudantes com notas excelentes ou adultos curiosos e intelectualmente autónomos?

 

O sistema está invertido. Os alunos deviam ser o centro e não a consequência. Os programas deviam ser ferramentas e não grilhões. A aprendizagem devia ser aprofundada e não uma checklist. Mas tudo isso exigiria um outro tempo. Tempo para ler devagar. Discutir ideias. Errar. Voltar atrás. Perceber. Tempo para formar pensamento e não apenas registar informação.

 

No final do ano, os miúdos estão exaustos. Pior, estão desligados. Desligados da curiosidade e do prazer de perceber a relação entre o que estudam e o mundo real. Cumpriram. Passaram. Mas foram sendo amputados do desejo de aprender. E isso, mais do que o cansaço, devia preocupar-nos a sério.E quando os miúdos nos dizem que estão fartos da escola, que não aguentam mais um ano, que não aprenderam nada, fica a questão no ar: E se tiverem razão?

 

 

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