Os meus livros têm sete vidas
Apresento-me como uma leitora compulsiva.
Gosto realmente de livros e de tudo o que com eles esteja relacionado.
Gosto de pesquisar, de saber das novidades, conhecer novos autores e perder-me nas livrarias e nas feiras. Gosto do cheiro, dos novos e dos velhos, e de ter tempo para simplesmente os folhear.
Fui acumulando pilhas de livros, que me acompanharam ao longo dos anos.
Primeiro, em casa dos meus pais. Mais tarde, na minha própria casa.
Primeiro, numa só prateleira. Mais tarde, em duas, três, num armário. No meu espaço, no espaço deles.
Tinha cada vez mais livros e cada vez menos espaço e era obrigatório fazer qualquer coisa.
Experimentei as Apps de artigos usados, mas rapidamente conclui que quem tem dinheiro para uma peça de roupa em segunda mão dificilmente o tem para um livro praticamente novo. São prioridades e cada um tem as suas.
Foi então que soube da possibilidade de doar livros ao Hospital de Santa Maria.
Comecei a pedir à família e amigos que me dessem os que estavam a mais nas suas prateleiras, aproveitei a oportunidade e li cada um deles, para depois fazer com que chegassem ao destino.
Foram muitos. Tantos quantos aqueles que eu consegui angariar. Demais, ao ponto de não os conseguir escoar.
Tinha o problema "espaço" para resolver, mas agora a dobrar. E tinha de o resolver rapidamente. Já não eram só os meus livros. Eram os meus, os teus, os dele, os dela e os deles. E mais uns e outros e gavetas e caixotes e livros em todos os buracos livres de minha casa, no porta-bagagens, nas minhas e nas estantes deles.
Estava fora de questão deixa-los no papelão ou tentar vender novamente.
Dei voltas e voltas à cabeça. Pensei nas juntas de freguesia, nas bibliotecas, nas associações, mas sabia-me a pouco. Queria mais. Queria melhor. Mais empenho da minha parte do que simplesmente encaixota-los e sair porta fora. São livros. E os livros não se tratam assim.
Estava de férias na Ásia, bem longe da minha realidade, foi quando me lembrei que podia ser interessante larga-los num espaço público. Numa paragem de autocarro, no muro de uma casa, num banco de jardim, no parque de estacionamento de um supermercado, no átrio de uma igreja. Ir largando para quem os quisesse apanhar. Fosse para ler, oferecer, ou apenas folhear e deixar.
Já larguei mais de uma dezena. Ainda me falta uma centena.
Não fico para ver o próximo episódio. Nem sei se tenho assim tanta curiosidade. O ser humano tem um comportamento por demais previsível.
Só sei que quando volto ao local - se volto - o livro já lá não está. Alguém o levou. E tenho a certeza absoluta de que valeu a pena porque os que não têm interesse, passam por ele... e nem o vêem.
Foi o início da história dos meus livros e das suas sete vidas.