Pais a envelhecer,
olhar por quem sempre olhou por nós
Há um momento, sem aviso, em que deixamos de olhar para os nossos pais como invencíveis. É subtil, quase não se vê. Primeiro, é o andar mais lento. Depois, algumas confusões. A irritação perante o barulho. O braço que precisa do nosso apoio para descer as escadas.
As coisas mudaram e não vão voltar atrás.
Crescemos com a ideia de que os nossos pais sabem sempre o que fazer. Que carregam o peso do mundo. As contas, os medos, as decisões difíceis. Que nos guiam e amparam as quedas. Mas agora é a nossa mão que se estende. Agora somos nós que alertamos para o perigo das escadas, para o cansaço, para os esforços.
É estranho. Quase clandestino. Porque ninguém nos ensina como olhar por quem sempre olhou por nós. Há quem resista. Quem continue a tratar os pais como os mesmos de sempre. Porque aceitar a mudança é estranho. O envelhecimento dos nossos pais espelha, de alguma forma, o nosso próprio tempo. Envelhecem eles e uma parte de nós.
Mas neste movimento de inversão há algo de profundamente humano. A forma como nos aproximamos deles, outra vez. Como se a vida nos desse uma segunda oportunidade de estarmos ainda mais juntos. Não como filhos pequenos, mas como adultos atentos. Capazes de ouvir o mesmo sem interromper. De rir quando nos dizem cuidado, quando são eles que precisam de maior atenção.
Cuidar dos pais é dar continuidade. Já não há a urgência da infância nem o desafio da adolescência. É o saber esperar. Gerir novas frustrações e engolir o medo que vem quando há uma alteração ou um diagnóstico. É nos gestos quase invisíveis, que devolvemos o que nos foi dado, com os nossos termos, as nossas falhas, mas com a mesma vontade de proteger.
Um dia, estaremos nós a caminhar devagar. E alguém nos vai estender a mão com a mesma delicadeza. Até lá, vamos aprendendo este novo papel. Sem grandes certezas. Apenas com memórias.