Perfumes que nos invadem
Há perfumes que abraçam. Outros há que se impõem como protagonistas.
Desde a pandemia que a aproximação se tornou mais protocolada. Pelo contrário, o olfacto continua sem fronteiras. Um prolongar invisível da identidade. Entramos num elevador e há alguém que já lá esteve. Chegamos ao escritório e o ambiente denuncia quem chegou antes de nós. Cumprimentamos uma pessoa e ficamos com a sua presença colada à pele, como um intruso. Que direito temos de permanecer onde já não estamos?
Uma memória engarrafada. Um apontamento de nostalgia. Um gesto de vaidade. Um escudo emocional. Ou um monólogo egocêntrico. A invasão silenciosa, esta, do perfume. Porque os perfumes não são neutros. Arrastam-nos para dentro de uma experiência que não escolhemos.
Há uma linha ténue [ ultrapassada ] entre deixar uma impressão e deixar um rasto. Entre cheirar bem e cheirar demasiado. Quando o perfume permanece, há uma distância artificial. É como uma voz alta num espaço pequeno. Uma luz intensa num ambiente de descanso. Um excesso difícil de ignorar. Um grito.
O perfume deve ser descoberto, não anunciado.
Vivemos tempos em que a elegância se redifiniu. Hoje, ser elegante é ser atento. É saber sair de cena com leveza. É ter consciência do impacto. Do invisível. Está no gesto que não se impõe. Na subtileza do detalhe.
O perfume, nesse sentido, pode somar ou subtrair. Ser uma homenagem ou um ruído.
E a nossa presença não deve ocupar mais espaço do que o necessário.