Procurar fora antes de olhar para dentro,
errado.

É um reflexo automático que carregamos na ponta dos dedos. Procurar fora antes de olhar para dentro.
Queremos mudar de trabalho? O primeiro impulso é espreitar as ofertas que pipocam nos motores de busca. Nunca nos perguntamos: E se eu reinventasse a forma como trabalho aqui, neste mesmo lugar? Será mesmo necessário trocar de paredes, ou basta trocar de abordagem?
O mesmo se repete em escalas menores e mais subtis. Precisamos de alguém para um novo cargo? Abrimos logo a vaga. Fazemos anúncios, entrevistas, fases de selecção. Tudo cronometrado, tudo externo. Quase nunca passa pela cabeça que, no open space da frente ou no gabinete ao lado, pode estar uma pessoa com o perfil exacto. À espera de ser vista, mas invisível. Porque a nossa lente está programada para apontar lá para fora.
Até no banal de todos os dias. Temos um casamento e o primeiro instinto é comprar. Acrescentar. Nunca desmontar o que já temos no armário. Combinar de outra forma. Dar um grito criativo às peças esquecidas no fundo da gaveta. É como se o que já existe tivesse prazo de validade. O velho perde o direito de ser a solução.
O curioso é que esta pressa de procurar fora não é só desperdício. É também preguiça. A preguiça de pensar com engenho. Explorar ângulos diferentes. Rasgar o uso habitual de um recurso. É mais fácil acreditar que lá fora alguém já pensou. Já criou. Já resolveu. Nós apenas compramos. Contratamos. Mudamos de cadeira. É um outsourcing sistemático da nossa responsabilidade de pensar.
Mas o que aconteceria se invertêssemos o reflexo?
Primeiro explorar dentro, depois avaliar fora? Profissionalmente, experimentássemos remodelar funções. Redesenhar processos. Testar colaborações, antes de preparar a carta de despedimento? Se abríssemos o armário como quem abre um laboratório: Combinando isto com aquilo, o que posso criar?
A novidade está em perceber que a verdadeira abundância não está em ter mais opções externas, mas em ver potencial no que já está diante de nós. O que falta não são recursos, é olhar. Olhar treinado para extrair do que existe novas formas, novos usos, novas ligações.
E aqui entra a provocação. A maioria das inovações que admiramos no mundo não nasceram da compra do fora, mas da reinvenção do dentro. Um cientista que reutiliza um método esquecido. Uma empresa que descobre talentos escondidos no staff. Um criador que combina peças antigas para inventar uma estética nova. Não houve importação. Houve exploração inteligente do que já estava disponível.
Procurar fora pode até ser necessário. Mas procurar primeiro dentro é o verdadeiro exercício. É um treino de autonomia. Imaginação prática. Respeito pelos recursos já existentes. É também um antídoto contra a ilusão de que a solução está sempre além. No próximo anúncio. Na próxima compra.
Talvez esteja já aqui. No mesmo lugar. Na mesma equipa. No mesmo armário. É uma questão de pararmos de correr para fora e começarmos a escavar dentro.