Vender a alma ao ar condicionado,
noites de calor e melgas
Com estas temperaturas, as casas perdem a compostura. As paredes retêm o calor. Uma vingança por todos os Invernos em que não lhes demos valor. As casas tornam-se estufas, cúmplices do colapso do corpo e do sono. Vivemos de luzes apagadas, janelas encerradas e um silêncio que só parece pleno até começar o zumbido.
As melgas são o detalhe cruel. Quando finalmente desligamos o último ruído, ali estão elas. Invisíveis, mas presentes. Deixamos de viver e começamos a resistir. O verão, no interior das casas, é uma luta pela sobrevivência. As noites não arrefecem. As paredes não respiram. Nós também não.
Vivemos em casas pensadas para um clima que já não existe. Como se a única solução fosse instalar ar condicionado ou emigrar para o alpendre. A austeridade das noites de Verão obriga-nos a escolhas absurdas. Apagamos as luzes para fazer sombra às melgas. Encerramos janelas porque o ar lá fora está ainda mais saturado. Não é só sobre dormir mal. É sobre noites de inquietação, à espera de um alívio que não vem com o cair do sol.
Podemos continuar a comprar mais repelentes, mais ventoinhas. Mas há um momento da noite em que o corpo desiste. Não do sono, mas da ideia de o alcançar. O lençol já está colado às costas e o colchão parece lava de um vulcão. E, como se não bastasse, aquele som chega novamente do escuro. Agudo, repetido, muito sádico. O zumbido de uma melga. O verdadeiro mantra da insónia.
Não estamos a dormir, estamos a arder. As noites de verão em casa, transformam-se numa espécie de penitência. E nessa penitência, aprende-se a real arte da sobrevivência minimalista. Começamos a magicar estratégicas. Nunca são poéticas. Mas se funcionarem... Enganar o corpo o tempo suficiente para adormecer.
Até lá, resta-nos desligar tudo, forçar o silêncio e esperar que o zumbido passe. Mas ele não passa. Porque não é só o som da melga. É o som de uma casa que por estes dias não serve.