Viagens de carro,
entre o fluxo dos pensamentos e o vazio revigorante
É tão bom fazer viagens de carro.
Não as viagens longas. De férias. Planeadas com antecedência. Carregadas de malas e roteiros.
Refiro-me às outras. As do dia-a-dia. As que faço sozinha. Com a cabeça em piloto automático. Em que simplesmente me deixo levar pela estrada. Aquelas em que entro no carro. Ligo o motor. Ajusto o banco. E sem pensar, já estou a caminho. Para parte nenhuma.
Sem que me aperceba, cheguei ao destino. Não me lembro do trajecto. Como é possível? Onde é que eu estive durante este tempo?
Perdida nos meus pensamentos. Absorta em ideias. Memórias. Criatividade. Reflexões. E o corpo levou-me quase por instinto. A verdade é que conduzir pode ser um momento raro de liberdade. Desbloqueio.
A estrada à frente. Andamos ali entre o consciente e o inconsciente. E sabe tão bem. Porque a vida faz-nos bem!
Organizo-me mentalmente. Ensaio diálogos. Tantos. Penso em soluções. Quando as condições são favoráveis deixo-me levar, apenas.
Há um verdadeiro prazer em conduzir sem pressa. Pensamentos que fluem sem rumo. Quem quer saber do destino? Tiro tudo o que existe na cabeça e deixo-a vazia. Mais vazia do que foi.
Um bálsamo para o cansaço. O meu cansaço acumulado. Aquele que não vem do dia-a-dia. O ruído.
As viagens de carro trazem-me privacidade. Um refúgio onde nada me é exigido.
Perceber a paisagem. O som da chuva a bater no vidro. Reparar nos pormenores. Mudanças na cidade. Na natureza.
Um exercício de presença num mundo onde estamos constantemente a ser interrompidos.
O carro não é só um meio de transporte. É um universo pessoal onde apuro os sentidos e deixo a cabeça viajar para onde quiser.